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O SILÊNCIO SAGRADO E O SIGNIFICADO DO SÁBADO SANTO NA TRADIÇÃO CATÓLICA


Descida de Jesus a mansão dos mortos

No calendário litúrgico da Igreja Católica, o Sábado Santo ocupa um lugar único e significativo. É um dia de profundo silêncio e espera, marcando o período entre a crucificação de Jesus Cristo na Sexta-feira Santa e Sua ressurreição gloriosa no Domingo de Páscoa. Neste dia, a Igreja mergulha na contemplação do mistério da morte de Cristo e na expectativa da sua ressurreição, enquanto se abstém de celebrações festivas e rituais públicos.


O silêncio desempenha um papel crucial no Sábado Santo, convidando os fiéis a entrarem em um espaço de reflexão e meditação sobre o sacrifício redentor de Cristo. É um silêncio cheio de expectativa e esperança, mas também de luto e penitência. Dentro dessa quietude solene, os cristãos, de forma especial os católicos, são convidados a confrontar a realidade da morte e a profundidade do amor divino manifesto na cruz.


Neste dia de silêncio e espera, a figura da Virgem Maria emerge como um modelo de fé e fortaleza. Maria, a mãe de Jesus, permaneceu firme ao pé da cruz, testemunhando a agonia de seu filho. Seu silêncio é eloquente, expressando uma confiança silenciosa no plano divino, mesmo diante da incompreensível dor da crucificação. Ela se torna, assim, um ícone de esperança e consolação para os fiéis, lembrando-os da necessidade de confiar na providência de Deus, mesmo nos momentos mais sombrios.


A antiga homilia do século IV, incluída na Liturgia das Horas, oferece uma visão profunda desse mistério. O texto, atribuído a um autor grego desconhecido, ressoa através dos séculos, convidando os fiéis a mergulharem no mistério redentor de Cristo neste dia sagrado:


"Que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a Terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio porque o Rei está dormindo; a Terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito Homem adormeceu e acordou os que dormiam havia séculos. Deus morreu na carne e despertou a mansão dos mortos.


Ele vai, antes de tudo, à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos e, agora, libertos dos sofrimentos.

O Senhor entrou onde eles estavam, levando em suas mãos a arma da cruz vitoriosa.


Quando Adão, nosso primeiro pai, o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: “O meu Senhor está no meio de nós”. E Cristo respondeu a Adão: “E com teu espírito”. E tomando-o pela mão, disse: “Acorda, tu que dormes, levante dentre os mortos, e Cristo te iluminará. Eu sou o teu Deus, que por tua causa me tornei teu filho; por ti e por aqueles que nasceram de ti, agora digo, e com todo o meu poder, ordeno aos que estavam na prisão: ‘Saí!’; e aos que jaziam nas trevas: ‘Vinde para a luz!’; e aos entorpecidos: ‘Levantai-vos!'”


Eu te ordeno: Acorda, tu que dormes, porque não te criei para permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-te, obra de minhas mãos; eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, ó minha imagem, tu que foste criado à minha semelhança. Levanta-te, saiamos daqui; tu em mim e eu em ti, somos uma só e indivisível pessoa. Por ti, eu, o teu Deus, me tornei teu filho; por ti, eu, o Senhor, tomei tua condição de escravo.


Por ti, eu, que habito no mais alto dos céus, desci à Terra, e fui mesmo sepultado abaixo da terra; por ti, feito homem, tornei-me como alguém sem apoio, abandonado entre os mortos. Por ti, que deixaste o jardim do paraíso, ao sair de um jardim fui entregue aos judeus e num jardim, crucificado.


Vê em meu rosto os escarros que por ti recebi; para restituir-te o sopro da vida original. Vê nas minhas faces as bofetadas que levei para restaurar, conforme à minha imagem, a tua beleza corrompida. Vê em minhas costas as marcas dos açoites que suportei por ti para retirar dos teus ombros os pesos dos pecados. Vê minhas mãos fortemente pregadas à árvore da cruz, por causa de ti, como outrora estendeste levianamente tuas mãos para a árvore do paraíso. Adormeci na cruz e por tua causa a lança penetrou no meu lado, como Eva surgiu do teu, ao adormeceres no paraíso. Meu lado curou a dor do teu lado. Meu sono vai arrancar-te do sono da morte. Minha lança deteve a lança que estava voltada contra ti.


Levanta-te, vamos daqui. O inimigo te expulsou da terra do paraíso; eu, porém, já não te coloco no paraíso, mas num trono celeste. O inimigo afastou de ti a árvore, símbolo da vida; eu, porém, que sou a vida, estou agora junto de ti. Constituí anjos que, como servos, te guardassem; ordeno agora que eles te adorem como Deus, embora não sejas Deus. Está preparado o trono dos querubins, prontos e a postos os mensageiros, constituído o leito nupcial, preparado o banquete, as mansões e os tabernáculos eternos adornados, abertos os tesouros de todos os bens e o reino dos céus preparado para ti desde toda a eternidade”.


De uma antiga Homilia no grande Sábado Santo (séc IV), de um autor grego desconhecido – Liturgia das Horas


Essas palavras antigas ecoam a profunda teologia do Sábado Santo, enfatizando o mistério da morte e ressurreição de Cristo. Elas convidam os fiéis a entrar no silêncio sagrado deste dia, a contemplar o mistério do túmulo vazio e a se preparar para a alegria da ressurreição.


Assim, o Sábado Santo na tradição católica é mais do que apenas um intervalo entre a Paixão e a Ressurreição; é um momento de profunda contemplação e silêncio, onde os fiéis são convidados a se unir ao mistério redentor de Cristo e a encontrar esperança na promessa da vida eterna. E Maria, com seu silêncio e sua presença fiel, permanece como um modelo inspirador de fé e confiança na providência divina.


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